quarta-feira, 9 de junho de 2010

Palavras de Éric Lenate

NOSSA JUVENTUDE ENVELHECIDA


Para Clóvys Torres


Que fascínio é esse que nos causa
A Maior Idade? A Melhor Idade, dizem alguns…
Que nos faz deitar lágrimas
diante da gigante pequenez de um Lear,
leão envelhecido?
Que mistérios que nos detêm a contemplar
a face enrugada
ou o andar alquebrado
de quem já tanto viveu?


Meu querido, teu texto é belo!


Belo porque te mostra nele, rendido diante dos mistérios do Tempo.

E não pintou dois velhinhos cansados de tanto viver e sofrer, a contemplar a passagem das horas que se findam dizendo: “Onde será que deixei meus óculos?”, “Ai, meus ossos doem!”. Não! Sois dois formidáveis velhinhos se preparando para uma festa! A festa de suas vidas!

De onde você tirou esse idéia de um casal de velhinhos famosos por serem penetras em festas de casamento?!?! É genial…

Estruturalmente falando, os outros dois personagens que “aparecem”, o Porteiro e o Filho Policial, são importantíssimos. Primeiro porque vejo uma admirável habilidade tua em dar força a dois personagens que não entram em cena. Segundo porque a interferência deles ao longo da peça, dá uma agilidade tremenda à narrativa. É um texto muito ágil. Tem de ser conduzido com agilidade. Talvez as lacunas vistas por determinadas pessoas no dia da leitura, sejam reflexo dessa agilidade não trabalhada na leitura por falta do tempo que vocês não tiveram para a preparação da mesma. Mas isso não importa.

Insisto ainda em dizer dessa agilidade: É tua transposição literária dos efeitos que o Tempo te causa, me causa, nos causa a todos… Quem não se atrapalha com as peripécias da não linearidade do tempo? Com o que é memória e o que é invenção?

Outra coisa: os incidentes de ordem metafórica ocorridos ao longo da narrativa (os ruídos de uma construção ao lado do apartamento, e a aparição de um muro no lugar da porta, depois o desparecimento do muro, ao final), são colocados de maneira, ao meu ver, muito delicada, despretenciosa. Acontecem quase que naturalmente, e quando percebemos, o significado cai que nem pedra nas nossas cabeças. Da mesma maneira natural estes “problemas” devem ser resolvidos durante um processo de encenação. Se o diretor der mais significado além do já implícito nestes signos, ele vai cagar e neutralizar toda sua força.

Além da tua condução ágil, você também “brincou” com a memória destes dois adoráveis velhinhos, o que nos leva a retardar em nós o andamento da peça, parar e acompanhar esses pequenos momentos reclusos de suspensão que são os passeios pelas bolhas flutuantes das reminiscências dos dois. E logo em seguida o telefone ou o interfone toca! E voltamos todos ao andante maestoso! Belas manobras tuas!

É estimulante pensar o cuidado que o responsável pela condução da encenação terá de ter ao lidar com esses arranques alegro vivace entre o casal de velhinhos, o porteiro e o filho, e as descidas aos obscuros calabouços da memória dos velhos. Lembrando também que consigo sentir e ver o passeio da brisa gelada de tal memória por todo o texto. O casal não fica um instante livre de tal peso. Isso é muito delicado. Isso é muito belo de ser pensado de resolvido em cena.

Não falta nada ao teu texto senão encená-lo, meu querido. Já vivem estes dois seres que você criou. Não os explique mais. Não nos explique mais. Fiquemos com os mistérios indecifráveis. Fiquemos com o Tempo indecifrável que há entre mim e você, entre o velho e a velha, entre os velhos e a platéia, entre a velhice e a nossa juventude envelhecida.

Com grande carinho,
e admiração,
Eric Lenate.

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