terça-feira, 8 de junho de 2010

Porta de entrada para um compromisso

Oscar D’Ambrosio, jornalista e mestre em Artes Visuais pelo Instituto de Artes da Unesp, integra a Associação Internacional de Críticos de Arte (AICA- Seção Brasil).

Com texto e direção de Clóvys Torres, a peça O convite de casamento apresenta ao espectador um desafio desde o seu início. Trata-se de uma jornada que percorre um universo do qual é difícil sair ileso, já que a chamada terceira idade e a morte são realidades em que é inegável o encontro com situações incômodas.

O casal de idosos da obra, interpretado por Walter Portella e Lilian Blanc, se alimenta da expectativa de comparecer a casamentos para os quais nunca é convidado. Essa atividade de penetra traz em si um risco de emoção e uma sensação de pertencer a alguma coisa, formas de combater a solidão e o isolamento que o tempo traz.

Um casamento, além da cerimônia e da festa, traz o conceito de esperança do início de uma nova jornada. De certa maneira, ao ir onde não são convidados, os personagens renovam a aliança que existe entre eles, num jogo permanente entre seu cotidiano sem atrativos e os imortais Clark Gable e Marlene Dietrich.

O ato de se casar evoca ainda, no contexto da criação dramatúrgica, uma ação que leva o marido a ter conhecido os porões da ditadura e da tortura. O medo do passado, para ambos, pode ser até pior que a decadência do presente e a incerteza do futuro.

Ela, ao manifestar esquecimentos indicadores do Mal de Alzheimer, e ele, em sua luta para não evidenciar as próprias fragilidades e as dela, constroem um conjunto que se dá as mãos para não naufragar perante o poder derrisório do tempo. Um se alimenta da solidão do outro para permanecer vivo numa realidade hostil.

A peça é uma porta de entrada para um compromisso do público com o autor/diretor e os atores. Vivenciar essa experiência dramatúrgica significa perceber-se mortal e vulnerável, deixando de ser dominador para ser dominado pela vida e suas circunstâncias, nem sempre agradáveis, mas, de uma forma ou de outra, enriquecedoras.

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